SE EU FOSSE VOCÊ

Se eu fosse você” é um filme simples, mas com um enredo muito interessante, que aborda de forma leve e descontraída temas que dizem respeito a realidade do dia-a-dia do casamento. Parabéns para o cinema brasileiro!O objetivo deste texto não é o de fazer uma análise crítica do filme, mas tomá-lo como ponto de partida para traçarmos algumas considerações quanto a dinâmica da vida a dois.Por que as pessoas se casam? As pessoas se casam por vários motivos. Em geral dizem que é por conta do amor. O amor é lindo! Mas quando observamos alguns que na época do namoro e noivado viviam como dois pombinhos e que depois, no casamento, vivem entre “tapas e beijos”, nos perguntamos: Que amor é esse? Misericórdia!Na época do namoro e do noivado o amor tende a anular as diferenças e realçar as semelhanças. É comum ouvirmos de alguns casais de noivos, pombinhos apaixonados, prontinhos e doidos para chegar a noite de núpcias, a expressão: “Nós nos completamos! Nascemos um para outro!” Que romântico!A idéia da complementaridade no casamento tem sua raiz no mito Aristofânico. Mito este que diz que no início homem e mulher formavam um único corpo com os membros duplicados, e com os rostos e as genitálias em posições opostas. A divisão surge em conseqüência de um castigo imposto por
Zeus que se sentiu ofendido ou ameaçado com a visita inesperada deste ser perfeito, mas muito esquisito. Assim, homem e mulher foram separados de uma união mais do que perfeita. Além de terem sido separados foram colocados em lugares distantes. Desta maneira estavam fadados a passar o resto da vida procurando um pelo outro. Que Deus é esse? Como dizem alguns crentes: “Tá amarrado!”.Mas não é assim que alguns entendem o casamento, como uma unidade de partes diferentes? Será que é isso mesmo? O que diz a Bíblia?O texto bíblico deixa claro que Deus criou o homem e depois a mulher – não se tratando, portanto, de uma divisão, mas de uma união. Deus criou a mulher e disse que ela seria ajudadora, “... como se fosse a sua outra metade.” (Gen. 2: 18 - NTLH).
Essa tradução nos remete ao mito aristofânico da complementaridade. Afinal de contas, o casamento é ou não é uma relação de complementaridade? Digo: não é!Aceitar a posição de complementaridade no casamento implica em aceitar o mito do casamento perfeito. Por outro lado, o entendimento da complementaridade no casamento legitima a argumentação daqueles que buscam o divórcio dizendo: “Não nos encaixamos!” Tal atitude é como devolver uma peça hidráulica, por exemplo, dizendo que ele não se encaixou na pia. Essa é uma visão utilitarista do casamento. Lamentavelmente esta tem sido a visão de alguns hoje, bem exemplificada na piada que diz: “sabe por que ele se separou da esposa? É que ele trocou uma de quarenta por duas de vinte!”.
A primeira mulher, Eva, foi formada a partir de uma porção que Deus tirou de um dos lados de Adão, na altura da costela. Depois que Deus formou Eva, com todos os contornos e curvas, Adão desperta do sono. Imagina a cena. Ele abre os olhos e leva um susto com o que vê. Esfrega os olhos como forma de certificar-se que não está dormindo e vê aquela mulher formosa, cheia de graça, na sua frente. Logo sente-se atraído por ela. O coração bate mais forte. Os hormônios agitam o seu corpo e ele faz a primeira declaração de amor que encontramos na Bíblia, dizendo: “... Esta, afinal, é osso dos meus ossos e carne da minha carne; chamar-se-á varoa, porquanto do varão foi tomada.” (Gen. 2: 23).
Há quem diga que no caso de Adão era pegar ou largar. Ainda bem que ele pegou! Aqui estamos nós!Respeitando-se as devidas proporções podemos dizer que a história do encontro desse primeiro casal tem uma certa semelhança com a história de muitos encontros hoje. De repente os olhares se cruzam, surge uma atração que é mais do que física, o coração bate mais forte e a química acontece. Uma campainha toca lá dentro e a convicção e logo vem a confirmação: “é ele!”, “é ela!” “Achei minha princesa!”, “Encontrei o meu príncipe!” Logo os dois acabam se casando sob o manto imaginário do conto de fadas que diz: “e viveram felizes para sempre!”.Já dizia a minha avó que para conhecer uma pessoa só comendo um quilo de sal com ela. Quanto tempo um casal precisa para consumir um quilo de sal? Levando-se em consideração o fato de que no início do casamento são apenas duas pessoas para comer, e acrescentando a isso a dificuldade natural em acertar o tempero da comida, o que os levará a recorrer ao restaurante ou aos pratos semiprontos. Então acho coerente dizer que para gastar um quilo de sal o casal vai precisar de mais ou menos uns seis meses. Quantos casamentos terminam antes do primeiro ano?No casamento a rotina do dia-a-dia, o stress de trabalhar muito e ganhar pouco, o cuidado com os filhos, a divisão nada igual das tarefas da casa acabam colocando em xeque a tão propalada semelhança de antes. Esse é o momento em que as semelhanças cedem espaço para as diferenças. É quando o desencanto vai aos poucos quebrando o encanto, e o ambiente vai ficando pesado, repleto de queixas, ressentimentos, mágoas, discussões e acusações.
Mas tem que ser assim: sair de um extremo e ir para o outro? Sem dúvida que não!No livro “Os opostos se atraem”, John Drescher diz que: “Quase sem exceção as pessoas se casam com seus opostos em matéria de temperamento e estrutura psicológica”. Acrescenta, citando o Dr. Joseph Wheelright, que “as pessoas se casam com outras pessoas que jamais sonhariam ter como amigos.”. Drescher conclui que as diferenças psicológicas oferecem o sentimento de um pertencer ao outro, promove a união mais íntima, e mostra que precisamos do outro para sermos completos.
O problema é que o outro não nos completa. Imagina uma pessoa completa! O nosso entendimento sobre o casamento não é o da união de duas metades diferentes, mas o de uma construção diária. A construção do casamento não se dá tão somente pela semelhança, mas de uma forma muito especial pela dessemelhança constitutiva que há entre marido e mulher, dois sujeitos, duas pessoas com temperamentos diferentes, modos de ver diferentes, manias diferentes, reações diferentes frente aos problemas da vida.
No filme o autor pontua essas diferenças valendo-se da expressão “Os homens são de Marte, mulheres são de Vênus”, título do famoso livro de John Gray, um ex-monge, casado e fino observador do relacionamento humano.No texto “O par e o ímpar na conjugalidade”, Medeiros diz que: “Faz parte de uma certa temática dos casais o ‘formar um’. Este ‘formar um’, contrariamente ao que se possa pensar, não é desde uma complementaridade, no sentido das duas metades que se juntam, conforme o mito aristofânico. Esse ‘formar um’ coloca-se na direção da construção de um Um ...”.Casamento é isso, os dois trabalhando e investindo na construção de UM casamento.Construção difícil. Muito difícil! Mas não impossível. Dentre tantos recursos que temos para essa difícil tarefa de construirmos UM casamento a partir das diferenças citamos a fé em Deus.O salmista expressa isso quando diz: “Se o SENHOR não edificar a casa, em vão trabalham os que a edificam; ...” (Sl. 127: 1)
A fé em Deus é um recurso valioso para vários aspectos da vida, em especial para a construção de um casamento sob um terreno firme, que não cede frente as tempestades, que supera os ciclos e as fases que todo casamento comporta. A não aceitação da singularidade do casamento, a partir da diferença estrutural entre o homem e a mulher, somado as características pertinentes a cada um enquanto sujeitos, acaba promovendo a ação de desqualificação e anulação do outro. O casamento então passa a ser uma “Batalha de dois, num ringue de arroz”. Casamento não é isso!Entendo que a proposta do filme é a de mostrar a incoerência que há quando no casamento um tenta mudar o outro.
A maneira criativa que o autor encontrou para demonstrar isso foi através da inversão de papéis. No último diálogo do filme os protagonistas riem de tudo o que aconteceu com eles, da idiotice de um querer mudar o outro, e concluem: - “ Esse é um problema que nunca vai ser resolvido” - “É porque não é um problema que tenha solução. Porque na verdade não é nem mesmo um problema.” – Dizem juntos: “É a vida!”Então, como cantava o poeta Gonzaguinha: “Viver, e não ter a vergonha de ser feliz / Cantar e cantar e cantar / A beleza de ser um eterno aprendiz / Ah meu Deus eu sei, eu sei / Que a vida devia ser bem melhor e será / Mas isso não impede que eu repita / É bonita, é bonita e é bonita
Por: Pr. Ailton Desidério.

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